25 junho 2014

Esquizofrenia Europeia ou aversão à democracia?

Os dados das eleições europeias de 25 de Maio, sejam quais forem as análises, mostram um país de costas voltadas para a política. Os números da abstenção são assustadores, reduzindo aquilo que deveria ser a festa da democracia a um espectáculo triste. Os partidos do centro já não mobilizam como dantes e os partidos pequenos não conseguem chamar a si os descontentes. É, no fundo, um falhanço a todos os níveis.
Existem várias teorias sobre o que afasta os cidadãos da política e no caso das europeias é sempre apontado como principal culpado o alheamento dos votantes em relação às questões europeias. É um facto que a forma como os partidos maioritários construem discursos em torno da UE varia, como em quase tudo, de acordo com a posição que ocupam. Culpando a UE dos seus falhanços quando estão no poder e apoiando-se nas suas críticas quando estão na oposição. Um perfeito desserviço à população, como é habitual.
Contudo existe um discurso, assumido pelo eleitorado, bastante mais preocupante e que demonstra a esquizofrenia em relação às questões europeias. Este discurso baseia-se numa ideia da europa como algo que não interessa à população portuguesa, colidindo com a ideia igualmente enraizada que as decisões importantes são todas tomadas pela união. É certo que a composição institucional da UE não ajuda, sabendo-se do poder do Conselho e da Comissão em relação ao Parlamento. Ainda assim o caminho seguido tem reforçado os poderes parlamentares, sendo cada vez mais reconhecida a influência deste em grandes questões como a neutralidade da internet ou o fim das taxas de roamming.
Esta desculpa funciona para as europeias, mas já não se revela válida para os restantes actos eleitorais. As desculpas aí variam muito, mas no fim resume-se a um desapego fundamental ao valor da democracia e do papel que cada cidadão desempenha no momento do voto.


A União Europeia, os enganos e as mentiras

No rescaldo das Eleições Europeias de 25 de Maio muito se tem falado da vitória dos partidos anti-europeus por toda a Europa. Existem muitas diferenças entre estes partidos, uns com uma oposição de fundo à integração euro Os principais argumentos são de nível organizacional e administrativo, com críticas aos gastos excessivos e à inutilidade da UE. 
Contudo, os números desmentem estas acusações. O orçamento global da UE é de apenas 1% do PIB total dos estados da união, sendo que nestes, os gastos médios com o aparelho estatal é de cerca de 45%. Os gastos com pessoal reduzem-se a 3% do orçamento europeu, sendo menores que, por exemplo, o orçamento com pessoal da Câmara Municipal de Londres. 
 Portugal tem escapado a esta retórica, mas é necessário conhecê-la para entender os resultados de partidos como o UKip em Inglaterra. 
Apesar das críticas, justificadas, à actuação do BCE e da Comissão no interior da troika, não nos podemos esquecer qual o verdadeiro papel destas instituições. Cerca de 70% do orçamento global da EU encontra-se repartido entre medidas de apoio à agricultura e políticas de coesão interna. Podemos e devemos questionar as opções políticas tomadas no Parlamento e no Conselho Europeu, mas tendo sempre em conta que a fatia de leão do trabalho da UE é feita no interior da Comissão, sendo alheio a estas lutas políticas próprias de organismos intergovernamentais. 
O futuro da Europa depende do aprofundamento da integração política da União a nível supranacional, coordenando políticas e harmonizando procedimentos. Só desta forma podemos construir uma grande sociedade europeia, deixando de lado nacionalismos ultrapassados, baseados no medo e na desconfiança.

24 março 2011

Game Over


Como é que continuamos a ser tão tansos depois de se saber estas coisas? Tudo o que este filme nos ensina tem sido sucessivamente ignorado desde que a crise rebentou. Tivemos uma campanha presidencial em Portugal na qual o candidato vencedor chegou a dizer que não se podem antagonizar as agências de rating, das quais se fala diariamente, sem que ALGUÉM o confrontasse com as declarações que os presidentes dessas agências prestaram nas audições do congresso americano admitindo que as suas recomendações são apenas opiniões, sem qualquer base científica e que não devem ser seguidas quando se investe num produto financeiro.

Já andava há muito tempo para ver este filme e nunca na vida fiquei tão revoltado depois de ver um filme. Nunca. Enoja-me a forma como a mentira e o encobrimento florescem em países democráticos sem que existam consequências para quem as dissemina. E o mesmo se passa por cá. Quando o dinheiro controla a política e a política controla as leis e a justiça a impunidade aparece. Estou farto do discurso do inevitável criado por quem não só não o tentou evitar, como criou as condições necessárias para que os problemas acontecessem.

É neste clima que vivemos e é contra isto que temos de nos mobilizar. Contra o governo do que é nosso por quem se desculpa dos actos com a inevitabilidade. E se não vês solução no futuro político deste país que, não tenhamos dúvidas, passará pelo PSD e os seus boysalaranjadostipomaisdomemso, mexe-te. Eu começo amanhã a procurar alternativas. Procurar ou criar, logo se vê.

Ódio à Esquerda


"Paulatinamente, as edificações hegemónicas que correspondem ao conservadorismo instalado foram construindo o seu próprio formato revisionista, através de uma depreciação da ideia da revolução na historiografia contemporânea, em paralelo com a diluição do seu património histórico e simbólico na consciência colectiva. Ao mesmo tempo (...) tornou-se constante ressaltar os erros, os desvios e os excessos dos processos de aceleração da história, numa investida coetânea da ofensiva política neoconservadora, iniciada nos primeiros anos do cavaquismo. As revoluções e os revolucionários passaram a ser apresentados como gente fora do tempo, destemperada, pouco cool. Mais, falar e escrever acerca de revoluções e revolucionários não está na moda. Cobre-se de ridículo quantos deram o melhor de si, generosamente, em processos de invenção da democracia num país que a desconhecia, ou deprecia-se os seus feitos, conectando-os com a instabilidade social. Os processos revolucionários são negativizados, remetidos para a anormalização, patologização e a psiquiatrização."

Paula Godinho na introdução do livro "Gente Comum, uma história na PIDE" de Aurora Rodrigues

22 novembro 2010

Ingénuo

A liberdade é algo que dou como adquirido. Viver na Europa, historicamente palco dos maiores conflitos mundiais e hoje pacificada devido aos esforços de integração política e económica, permitiu-me escolher livremente o que pensar e como reger a minha vida. Isto é algo que, a par com o valor da tolerância, prezo acima de tudo. Poder expressar livremente as minhas convicções e discordar abertamente das ideias dos outros tem sido essencial na construção do que posso apenas definir como a minha ideologia pessoal.
Ao contrário do que fazem parecer os blogs de esquerda e de direita, a ideologia não é algo que se apropria de nós de forma homogénea, orientando a nossa vida através de uma série de dogmas intocáveis. É apenas uma plataforma de ideias fundamentais a partir das quais confrontamos a realidade, formulando objectivos a atingir para adequar a realidade a esses princípios através de um conjunto de acções concretas. Isto dá trabalho, o que leva a que muita gente prefira importar ideologias “pré-fabricadas” prontinhas a consumir. Com ideias mais ou menos abrangentes, objectivos imutáveis e formas de acção fixas e tudo facilmente enquadrável em campos estanques de pensamento.
Da direita distancio-me facilmente. A crença na força do status quo nunca me subjugará. É, por isso, a esquerda que me aflige. É na esquerda que deposito esperanças; naquele idealismo incessante de quem acredita que podemos mudar o mundo. Só que a esquerda que leio todos os dias nos blogs, que retiro das acções dos meus colegas e que é retratada pela maioria dos media, não é a minha esquerda. Não vou aos arames com touradas ou praxes; não defendo a causa palestiniana (tampouco apoio Israel…); não reajo a todas as mudanças estruturais com o conservadorismo sindical (estranho que todas as mudanças são para pior – é um sucessão de reformas más que se tornam bestiais quando querem voltar a reformar); não odeio a UE e a NATO; nem embarco em relativismos culturais obtusos que apenas visam branquear comportamentos que deveriam ser intoleráveis para cidadãos livres e esclarecidos.
Penso a esquerda de uma forma diferente. Acredito no valor da igualdade, mas não à custa da liberdade. Sei que a felicidade é maximizada não pelo que se tem, mas pelo que todos temos. Seremos mais felizes quando formos tratados de forma igual; quando se abolirem as deferências e hierarquias sociais; quando o melhor canalizador, juiz, bombeiro, gestor ou político não só forem remunerados similarmente, mas principalmente quando forem encarados como igualmente importantes. Estes são os meus ideais e o começo dos meus problemas porque para a sua concretização a esquerda nada me oferece. Oferece-me meios para abolir a criminalização do aborto ou lutar pelo direito de qualquer pessoa a se casar independentemente da preferência sexual. Mas quanto ao que acho importante, aos objectivos que retiro dos meus ideias, nada feito. É por isso que vivo politicamente desamparado, longe de quem come toda a esquerda como uma ideologia unitária, debitando o pacote de ideais pré-estabelecidos. Pronuncio-me a descoberto da ideologia, sujeito aos ataques óbvios da direita e cada vez mais também da esquerda.
O que sou afinal? O que é alguém que acha irrelevante a praxe (dentro da legalidade); que considera a NATO fundamental num mundo em que a força ainda é um mal necessário; que considera o caminho da UE como válido ainda que imperfeito; que confia no poder das leis como garante das liberdades; que não aceita fundamentalismos, sejam da direita norte americana ou o dos islamitas; que acredita numa economia de mercado justa e distributiva, em que os trabalhadores têm assento nas administrações e partilham dos lucros; que não aceita uma Administração Pública refém de funcionários não qualificados, agarrados à burocracia e aos direitos adquiridos; e que, sobretudo, não vê caminhos a seguir, nem estruturas a que se agarrar.
Podem-me chamar do que quiserem, mas de ingénuo não. Sou apenas alguém que não pensa nos vossos moldes e que, não estando desorientado, não encontra o caminho.